quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Jonas: a misericórdia divina (Série Profetas Menores na Escola Dominical)


Os estudiosos do Antigo Testamento se dividem quanto ao livro de Jonas: alguns afirmam que o livro na realidade é uma espécie de parábola onde o principal objetivo é ensinar uma lição sobre a misericórdia divina à Israel. Outros acreditam que a história de Jonas, seu incidente com o grande peixe e sua pregação na cidade de Nínive realmente aconteceram, argumento reforçado pelo fato do próprio Jesus referir-se ao evento de modo enfático.
 De qualquer forma, podemos dizer com certeza que Jonas é o mais conhecido entre os profetas menores. Quem nunca ouviu uma pregação ou ao menos um comentário sobre o desobediente profeta que mandado por Deus para Nínive, toma um navio para Társis, e após uma grande confusão causada por uma tempestade é lançado ao mar, passa três dias na barriga de um grande peixe, se arrepende, e por fim vai à Nínive após ser vomitado na praia? O relato é curioso e ao mesmo tempo surpreendente.
Também surpreendem as características diferenciadas do profeta Jonas. Ele é o único dos profetas menores com os quais não nos identificamos positivamente na leitura, a não ser quando ele ora ao Senhor no ventre do peixe. Ao lermos, ficamos "torcendo" para que Jonas consiga entender os propósitos de Deus para com a cidade de Nínive e mude sua opinião com relação ao arrependimento da cidade.
Jonas não aparece no relato bíblico apenas no livro que leva seu nome. Em II Rs 14, ele profetiza sobre a expansão de Israel durante o reinado de Jeroboão II (o mesmo contra quem Amós profetizou). Ao que tudo indica, Jonas não conseguia entender como o mesmo Deus que lhe usara para profetizar a expansão das fronteiras de Israel poderia estar preocupado com uma nação gentílica e adoradora de outros deuses.
Há duas partes do livro de Jonas que sempre me fascinaram: a primeira é a belíssima oração do capítulo 2, onde fica em destaque a disposição de um Deus que atende alguém que, por consequência de seus próprios atos, chegou às maiores profundezas da solidão e do desespero. Jonas ora de um lugar inimaginável e totalmente impróprio para se fazer qualquer tipo de coisa, inclusive estar vivo! A oração gera esperança no leitor pois aponta para o Deus que ouve o grito daquele que estiver nas condições mais impróprias e indignas de sobrevivência.
A personalidade de Jonas e a forma como ela vem à tona no capítulo 4 também me fascinam: após ser alvo da graça imerecida de Deus de um forma inquestionável, o arrependido Jonas vai à cidade de Nínive e após ouvir novamente a voz de Deus, prega o que lhe foi ordenado: "Em quarenta dias Nínive será destruída!"
No entanto, o inesperado acontece (note como o livro está recheado de episódios surpreendentes e inesperados!): o impacto da mensagem de Jonas gerou uma comoção geral, que se transformou inclusive em uma "política pública de arrependimento", já que o próprio rei decretou a obrigatoriedade de jejuns e orações, para que a ira de Deus não se consumasse sobre a cidade.
Assim, entramos no capítulo 4, que considero fantástico: Jonas está extremamente bravo porque Deus decide não destruir a cidade e reclama pessoalmente com ele. A seguir, senta-se ao oriente da cidade para assistir "de camarote" o que vai acontecer com ela. Surpreendentemente, Deus faz surgir uma aboboreira sobre a cabana que Jonas improvisara para lhe proteger do sol. A atitude de Deus alivia a raiva de Jonas e o transporta ao sentimento de alegria, pois ao menos seu conforto estaria garantido enquanto ele esperava a decisão definitiva de Deus para a cidade.
No entanto, novamente a surpresa aparece no livro, com uma sucessão de eventos desagradáveis para o profeta: a  aboboreira secou-se de um dia para outro por conta de um verme, um vento oriental atingiu a cabana de Jonas e a força dos raios solares fez com que o profeta desmaiasse. Ao acordar, o profeta que até dois capítulos atrás desfrutava humildemente da profunda compaixão de Deus após orar na barriga de um peixe, agora está no topo de sua indignação e deseja a morte!
T.J. Carlisle transforma o episódio em um verso:

"E foi Jonas batendo os pés
para o seu posto à sombra
e esperou que Deus
mudasse de ideia,
pensasse como ele

E continua Deus ainda esperando
que uma hoste de Jonas
mude de ideia
ame como ele"(*)

A indignação de Jonas me faz lembrar de outros episódios bíblicos: a indignação do filho mais velho quando seu irmão pródigo é recebido com festa por seu pai (Lc 15) , a indignação  dos fariseus ao ver Jesus conversando e jantando com publicanos e pecadores (Mc 2) , a inicial incompreensão de Pedro quando Deus lhe manda pregar o Evangelho a um não judeu (At 10). Enfim, parece que o sentimento de Jonas não era exclusivo a ele...
Será que vemos este sentimento vivo em nós mesmos, quando achamos que 'Deus é só nosso' e que há pessoas que não podem e não devem participar de seu amor? De certa forma, apesar de criticarmos as atitudes de Jonas,  nos identificamos com ele quando não compreendemos como Deus pode ser tão misericordioso com pessoas das quais não consideramos dignas. A lição do livro de Jonas é clara: se Nínive não merecia ser salva, por que Jonas merecia ser salvo do ventre do peixe? Para ambos os casos a resposta é única: a misericórdia divina transcende nossa noção de justiça e de merecimento.
É muito interessante a forma como o livro termina. Diante da indignação extrema do profeta, Deus lhe faz uma pergunta: "Você tem pena dessa planta, embora não a tenha podado nem a tenha feito crescer. Ela nasceu numa noite e numa noite morreu.Contudo, Nínive tem mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem nem distinguir a mão direita da esquerda, além de muitos rebanhos. Não deveria eu ter pena dessa grande cidade?" (Jn 4.11-12). Não sabemos o que aconteceu depois. O livro termina aí! Como Jonas reagiu? Ele acabou concordando com o propósito de Deus? Se arrependeu de estar tão furioso? Entendeu que a mesma misericórdia que Deus ofereceu para ele ao tirá-lo de dentro do ventre do peixe era a mesma que Deus queria oferecer aos ninivitas?  Não sabemos. Propositalmente a Bíblia deixa que nós pensemos na reação de Jonas e indiretamente lança outra questão: como nós agiríamos no lugar dele?


(*) T.J. Carlisle, You!Jonah! citado por William LaSor em Introdução ao Antigo Testamento (Ed. Vida Nova) 

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