O livro de Habacuque começa com um problema. O profeta, que possivelmente tinha uma posição de destaque em sua comunidade local, questiona a Deus sobre a multiplicação do mal em sua nação.
Habacuque não entendia como o Senhor permitia que a justiça fosse ultrajada da forma como estava acontecendo em Judá. Homens corruptos envergonhavam a nação e, aparentemente, Deus não estava fazendo nada.
É possível que a inquietação de Habacuque nascesse de suas lembranças passadas da época do rei Josias, em que a obediência e a guarda da lei do Senhor tinham sido resgatadas como padrão de conduta da nação. Agora, o profeta se indigna por ver o oposto acontecendo: a corrupção, a mentira e a opressão se transformaram no padrão de conduta do povo (cap 1.2-4)
A resposta de Deus aos questionamentos do profeta foi difícil de digerir: Deus enviaria os caldeus (que posteriormente uniriam-se aos babilônicos e a outros povos na coalizão que formaria o Império Babilônico) para devastar a nação e assim estabelecer o juízo de Deus sobre as maracutaias que se multiplicavam no reino de Judá.
A resposta de Deus desceu cortando as entranhas de Habacuque e ele mais uma vez se indigna: como Deus permitiria que uma nação ímpia e pavorosa como eram os caldeus julgassem Judá, que apesar de seus inúmeros pecados, ainda era o povo de Deus? Estaria Deus desconsiderando os pecados dos caldeus?
O desespero do profeta foi motivado por questões tão antigas quanto o próprio ser humano: por que Deus permite que o justo sofra? Por que o homem mal prospera? Tais questões estão presentes nos livros mais antigos da Bíblia. Há inclusive um livro quase que inteiramente dedicado a discutir isto, o livro de Jó. Em Eclesiastes o tema também ressoa.
As questões são antigas, mas vez ou outra continuam a ressoar também em nossos lábios: por que Deus permite a injustiça? Por que o justo sofre? Por que Deus não pune o perverso? Por quê? Por quê?
No início do capítulo 2, Habacuque se retira para a "torre de vigia" e aguarda a resposta de Deus ao indecifrável e injusto quebra-cabeça. A resposta do Senhor apresenta dois pontos principais: em primeiro lugar, futuramente os caldeus também colheriam os frutos de seus maléficos atos. Em segundo lugar, o justos de Judá não deveriam ficar aflitos pois a fé seria o alicerce suficientemente capaz de os sustentarem quando fossem surpreendidos pelos caldeus: "O ímpio está envaidecido, seus desejos não são bons, mas o justo pela sua fé viverá" (Hb 2.4 - NVI/ARC)
Em boa parte das traduções bíblicas em português esta é a única vez que a palavra Fé aparece no Antigo Testamento, embora sinônimos como confiança sejam abundantes.
Creio que este versículo é central em Habacuque: embora não entendamos o porquê do curso dos acontecimentos, a fé é capaz de nos sustentar mesmo quando sofremos o mal por conta daquilo que não fizemos. Ainda que soframos por culpa de outro, nossa fé nos sustentará.
Note que a palavra fé não tem o sentido mágico com o qual tantas vezes ela é interpretada: a fé que serve apenas para conquistar bens, ampliar nosso patrimônio e satisfazer nosso desejos (as vezes legítimos, mas as vezes efêmeros). Para além disso, fé tem a ver com o relacionamento sincero com Deus mesmo em meio à pior das hipóteses. Fé é confiança. Fé é certeza da presença de Deus mesmo em meio ao mais agitado mar. Não é a toa que o escritor aos Hebreus compara a fé a uma âncora segura.
Quanto à Habacuque, podemos ter certeza que ele assimilou perfeitamente a mensagem, tanto é que encerra seu livro expressando sua confiança no Senhor da melhor forma possível, e ainda por cima, cantando:
Mesmo não florescendo a figueira,
não havendo uvas nas videiras;
falhando a safra de azeitonas,
não havendo produção de alimento nas lavouras,
nem ovelhas no curral
nem bois nos estábulos,
ainda assim eu exultarei no Senhor
e me alegrarei no Deus da minha salvação.
O Senhor Soberano é a minha força;
ele faz os meus pés como os do cervo;
ele me habilita a andar em lugares altos.
Que alimentemos este tipo de fé!
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