Na semana anterior falamos sobre as pragas do Egito, as propostas de faraó a Moisés e aos israelitas, bem como o significado que estes atos divinos tiveram tanto para os israelitas quanto para o império egípcio.
No entanto, falamos apenas sobre as primeiras nove pragas, cada uma delas destacando um aspecto da soberania divina frente às divindades egípcias. Faltou falar da última praga, que adquiriu um significado ainda maior para os hebreus.
A última praga colocou em xeque o poder pessoal do próprio faraó, considerado também uma divindade. O texto de Ex 12 faz questão de destacar que a praga da morte dos primogênitos afetou a todas as famílias egípcias, a começar pela casa de seu maior governante.Tão grande calamidade colocou em risco a posteridade do império egípcio, já que os principais herdeiros de todas as famílias haviam morrido. De fato, tal situação não é nada comum!
Igualmente incomum é imaginar um império como o egípcio abrir mão de uma de suas principais forças de trabalho por conta de uma sucessão de calamidades anunciadas por um homem que surge do deserto com o único objetivo de libertar da escravidão seu povo de origem, depois de quarenta anos vivendo longe deste povo, tudo isto sob a ordem de um Deus invisível!
Foi por intermédio de todas estas situações que o povo foi liberto da escravidão, ainda que o faraó não tivesse "amolecido" de fato o coração e posteriormente voltasse atrás em sua decisão, como veremos na próxima lição.
Para a lição desta semana, o que deve ser destacado é o significado que a saída do povo do Egito ganhou para os israelitas. Primeiramente, Deus orienta a Moisés que seu povo apenas estaria livre da matança dos primogênitos se tivessem na verga da porta de suas casas um pouco do sangue do cordeiro ou do bode que cada família deveria sacrificar. (Como destacaram Pfeiffer e Harrison, "
não no chão para que fosse pisado, mas na porta, para que fosse visto"). Desta forma, o Deus dos hebreus se revela como aquele que, embora maior que todo o império egípcio, está disposto a salvar e livrar o o ignorado povo hebreu, desde que este povo aceite os termos do sacrifício proposto. Através da morte do cordeiro cada família seria salva. Não é preciso relembrar que todo este simbolismo aponta de forma evidente para o sacrifício de Cristo. Além disso, o fato de os hebreus comerem a carne do animal morto em comemoração à sua libertação nos faz lembrar da celebração cristã da Ceia, em que participamos do corpo de Cristo representado no pão, como símbolo de nossa ligação com ele e da vitória sobre o pecado. Neste sentido a páscoa, mais do que um mero costume judeu, apontava para o sacrifício perfeito que alcançaria toda a humanidade. Como afirmamos no post passado não podemos deixar de ler o Êxodo tendo a obra de Cristo como pano de fundo. Temos que ler o Êxodo, bem como todo o Antigo Testamento com as lentes do Novo Testamento.
Assim instituí-se a
Pesach, a Páscoa dos hebreus, evento em que mediante a refeição de pães sem fermento, ervas amargas, além do próprio cordeiro, os judeus relembram-se das humilhantes condições de escravidão no Egito e também da forma extraordinária como Deus os libertou. A primeira Páscoa, registrada a partir do cap. 12 do Êxodo, aconteceu sob circunstâncias incomuns: os hebreus deveriam comer "com as malas feitas" e prontos para saírem a qualquer momento, eis o porquê dos pães sem fermento: não haveria tempo para prepará-los do modo convencional
Assim, a Páscoa tornou-se um memorial para os hebreus, um ritual que deveria obrigatoriamente ser repetido todos os anos. Dentre os aspectos que deveriam ser lembrados estavam: a aflição dos tempos da escravidão, o comer preparado para sair e a comemoração em família. A primeira páscoa marcou também o início de um novo calendário para os hebreus: ali começava um novo mês e um novo ano. Em termos históricos, poucas datas receberam tanta atenção ao ponto de darem origem a um novo calendário. Enfim, a Páscoa representava um novo começo para os hebreus, que dali para frente seriam de fato uma nação, a nação de Israel.
Todos estes aspectos podem ser aplicados para nossos dias. Paulo afirma aos filipenses que não se cansava de falar sempre as mesmas coisas (Fl 3.1). Ou seja, há coisas na vida cristã que devem ser repetidas o tempo todo pois
jamais podem ser esquecidas. Para os judeus a Páscoa e as demais festas que posteriormente seriam estabelecidas no calendário religioso tinham esta função. Na vida cristã há coisas que devem ser lembradas o tempo todo. Eis o porquê das palavras de Cristo ao servir sua última Ceia: fazei isto em memória de mim...
A identidade da nação israelita nasceu no ato de livramento do Egito, por isso, lembrar-se da Páscoa era fortalecer a identidade do povo. Transferindo tal noção para nossos dias podemos afirmar: se nos esquecermos do valor da morte de Cristo perdemos por completo nossa identidade cristã...