quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Habacuque: a soberania divina entre as nações (Série Profetas Menores na Escola Dominical)


O livro de Habacuque começa com um problema. O profeta, que possivelmente tinha uma posição de destaque em sua comunidade local, questiona a Deus sobre a multiplicação do mal em sua nação.

Habacuque não entendia como o Senhor permitia que a justiça fosse ultrajada da forma como estava acontecendo em Judá. Homens corruptos envergonhavam a nação e, aparentemente, Deus não estava fazendo nada.

É possível que a inquietação de Habacuque nascesse de suas lembranças passadas da época do rei Josias, em que a obediência e a guarda da lei do Senhor tinham sido resgatadas como padrão de conduta da nação. Agora, o profeta se indigna por ver o oposto acontecendo: a corrupção, a mentira e a opressão se transformaram no padrão de conduta do povo (cap 1.2-4)

A resposta de Deus aos questionamentos do profeta foi difícil de digerir: Deus enviaria os caldeus (que posteriormente uniriam-se aos babilônicos e a outros povos na coalizão que formaria o Império Babilônico) para devastar a nação e assim estabelecer o juízo de Deus sobre as maracutaias que se multiplicavam no reino de Judá.

A resposta de Deus desceu cortando as entranhas de Habacuque e ele mais uma vez se indigna: como Deus permitiria que uma nação ímpia e pavorosa como eram os caldeus julgassem Judá, que apesar de seus inúmeros pecados, ainda era o povo de Deus? Estaria Deus desconsiderando os  pecados dos caldeus?

O desespero do profeta foi motivado por questões tão antigas quanto o próprio ser humano: por que Deus permite que o justo sofra? Por que o homem mal prospera? Tais questões estão presentes nos livros mais antigos da Bíblia. Há inclusive um livro quase que inteiramente dedicado a discutir isto, o livro de Jó. Em Eclesiastes o tema também ressoa.

As questões são antigas, mas vez ou outra continuam a ressoar também em nossos lábios: por que Deus permite a injustiça? Por que o justo sofre? Por que Deus não pune o perverso? Por quê? Por quê?

No início do capítulo 2, Habacuque se retira para a "torre de vigia" e aguarda a resposta de Deus ao indecifrável e injusto quebra-cabeça. A resposta do Senhor apresenta dois pontos principais: em primeiro lugar, futuramente os caldeus também colheriam os frutos de seus maléficos atos. Em segundo lugar, o justos de Judá não deveriam ficar aflitos pois a fé seria o alicerce suficientemente capaz de os sustentarem quando fossem surpreendidos pelos caldeus: "O ímpio está envaidecido, seus desejos não são bons, mas o justo pela sua fé viverá" (Hb 2.4 - NVI/ARC)

Em boa parte das traduções bíblicas em português esta é a única vez que a palavra Fé aparece no Antigo Testamento, embora sinônimos como confiança sejam abundantes.

Creio que este versículo é central em Habacuque: embora não entendamos o porquê do curso dos acontecimentos, a fé é capaz de nos sustentar mesmo quando sofremos o mal por conta daquilo que não fizemos. Ainda que soframos por culpa de outro, nossa fé nos sustentará.

Note que  a palavra fé não tem o sentido mágico com o qual tantas vezes ela é interpretada: a fé que serve apenas para conquistar bens, ampliar nosso patrimônio e satisfazer nosso desejos (as vezes legítimos, mas as vezes efêmeros). Para além disso, fé tem a ver com o relacionamento sincero com Deus mesmo em meio à pior das hipóteses. Fé é confiança. Fé é certeza da presença de Deus mesmo em meio ao mais agitado mar. Não é a toa que o escritor aos Hebreus compara a fé a uma âncora segura.

Quanto à Habacuque, podemos ter certeza que ele assimilou perfeitamente a mensagem, tanto é que encerra seu livro expressando sua confiança no Senhor da melhor forma possível, e ainda por cima, cantando:


Mesmo não florescendo a figueira, 
não havendo uvas nas videiras; 
falhando a safra de azeitonas, 
não havendo produção de alimento nas lavouras, 
nem ovelhas no curral 
nem bois nos estábulos,
ainda assim eu exultarei no Senhor 
e me alegrarei no Deus da minha salvação.
O Senhor Soberano é a minha força; 
ele faz os meus pés como os do cervo; 
ele me habilita a andar em lugares altos.

Que alimentemos este tipo de fé!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O que preocupava Jesus?

No capítulo 17 de João Jesus está orando por seus e discípulos e por sua Igreja, que iniciaria sua atividade algumas semanas depois. Na ocasião, Jesus estava prestes a encerrar seu ministério  na terra. A missão de Cristo ao tomar forma humana estava chegando ao seu ponto mais alto: a cruz. Nos capítulos seguintes acompanhamos toda a agonia, sofrimento e certeza do Mestre ao enfrentar a morte. Antes porém  encontramos Jesus orando.

Quando oramos, apresentamos a Deus os anseios de nossa alma. A orientação bíblica é que as nossas preocupações sejam expostas diante do Senhor quando conversamos com ele. A oração sincera tem o poder de trazer à tona, não apenas para Deus mas para nós mesmos, os nossos sentimentos mais íntimos.  Na oração franca falamos daquilo com o qual nos importamos e do qual nos preocupamos.

O livro de Salmos é o exemplo máximo da exposição de preocupações na oração, nele vemos súplicas desesperadas, corações agradecidos, santos em dúvidas frenéticas, mentes incompreendidas, guerreiros acuados... enfim, os Salmos trazem à superfície o que estava no mar do coração do escritor. Para sentir isto, faça um teste: leia a história de Davi em I e II Samuel, e depois aprecie os Salmos escritos por ele. Você conhecerá duas dimensões do rei de Israel: sua projeção diante de outras pessoas, e as nuances de seu coração.

Voltando a falar do capítulo 17 de João...

O registro da oração sacerdotal de Jesus, como é conhecido este capítulo, nos permite acompanhar quais eram as coisas com as quais Cristo se preocupava apenas algumas horas antes de sua morte e ressurreição. Além desta oração, temos também os registros de Mateus e Marcos sobre a angústia pessoal de Cristo no Getsemani, onde expõe ao Pai sua agonia.

No entanto, em João 17 é possível conhecer um pouco mais do que se passava no coração de Jesus. É possível conhecer algumas de suas preocupações neste momento ímpar.

Primeiramente, o Mestre demonstra um sentimento de "dever cumprido" em seu ministério, quando usa expressões como: dei-lhes a tua palavra; manifestei teu nome aos homens; eles creram que tu me enviaste; nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição....

No entanto,o mais interessante é  percebemos que o coração de Jesus estava em seus discípulos e em sua futura Igreja. A preocupação de Cristo é com a forma como seus seguidores se relacionariam entre si e como se relacionariam com ele dali para frente. O versículo 21 expressa isto de maneira muito clara: "Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste"

Perceba: Jesus entende que, para que sua missão seja eficazmente completa, os discípulos deveriam formar uma unidade. Assim, como na primeira parte da oração ele demonstra ter cumprido fielmente sua missão, pede agora ao pai que a Igreja também consiga. E isto só acontecerá quando seus seguidores formarem um único organismo por intermédio de uma unidade de propósitos.

Jesus usa como referência de unidade a sua própria ligação com o pai: não é possível separar os membros da Trindade. Não é possível imaginar o Pai, o Filho ou o Espírito Santo trabalhando de forma independente. Os três são um. Estão unidos de uma maneira tão estreita que normalmente temos dificuldade de explicar o conceito de Trindade.

Eis a preocupação de Jesus em João 17: que seus seguidores estejam unidos entre si e com ele próprio da maneira mais estreita possível, tendo como referência o tipo de ligação que existe entre os membros da Trindade. Só assim o mundo crerá na obra redentora de Cristo.

O que nos entristece é perceber que , na maioria dos casos, as nossas maiores preocupações como cristãos hoje são tão diferentes das preocupações que moveram o coração de Cristo...



quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Naum: o limite da tolerância divina (Série Profetas Menores na Escola Dominical)


Naum e os outros dois próximos profetas menores, Habacuque e Sofonias, tratam do mesmo tema em suas profecias: o julgamento divino. No caso de Habacuque e Sofonias, as mensagens centralizam-se no julgamento contra a Babilônia, enquanto no caso de Naum a profecia aplica-se à Assíria, cuja capital era a imponente cidade de Nínive.
Cerca de 150 anos antes, Nínive esteve no centro de uma forte demonstração da graça e misericórdia divina, durante o ministério de Jonas. Agora, a corrompida Nínive recebe duras repreensões de Naum, muito embora, tenhamos que levar em conta que mesmo que o assunto do livro seja a destruição da capital assíria, o livro foi escrito para os moradores de Judá, como uma forma de consolo, depois de tantos anos de sofrimento na mão do poderoso império.
 Entre Jonas e Naum muita coisa aconteceu: os assírios tornaram-se um império ainda mais poderesos, subjugaram nação, fortaleceram-se e levaram em cativeiro inclusive Israel, o reino do norte.Agora representavam uma séria ameaça para o remanescente reino do sul, Judá. Assim, o livro também aponta para a justiça divina: embora os ninivitas no passado tivessem cumprido os propósitos divinos quando levaram em cativeiro o reino do norte, sua maldade não ficaria impune.
A princípio o livro gera certo desconforto no leitor, principalmente quando tentamos conciliar a destrutiva mensagem de Naum com a misericórdia divina expressa no livro de Jonas, por exemplo. No entanto, os escritos proféticos indicam que o julgamento divino nada mais é do que a consequência do longo período  de opulência do grande império assírio. Por décadas e décadas os assírios governaram com mão de ferro províncias e reinos que os sustentavam com impostos e trabalhos forçados. Uma das maiores censuras de Naum aos assírios é a seu orgulho, o fato de acreditarem que seu reino subsistiria para sempre.
A queda de Nínive foi atípica: ela não foi esmigalhada de uma vez por um exército inimigo, mas depois de perder seu poderio para o crescente Império Babilônico, perdeu as províncias que lhe sustentavam e garantiam seu status. Sem apoio e solitária, Nínive se esvaiu. Assim, o livro aponta para uma das verdades mais destacadas nas Escrituras, do Antigo ao Novo Testamento: as glórias do mundo e o poderio humano são efêmeros. Não subsistem ao tempo. Os exércitos assírios não são nada quando comparados ao poder de Deus e seu exército.
  Naum nos mostra que a ira de Deus não é irracional: nos versículos 6 e 7 do capítulo 1  há um contraponto entre a severidade e a serenidade de Deus: embora ninguém consiga resisti-lo em sua ira,o Senhor conhece os que lhe pertencem e lhes garante refúgio em tempos de crise, iniquidade e destruição!
Assim, ainda que você seja o império mais poderoso do mundo, não vale a pena confiar em sua própria força, pois os tempos mudam e novas forças surgem. Apenas o poder de Deus permanece: tal mensagem é sempre atual, independentemente do período histórico em que estejamos vivendo.

Nas duas próxima semanas o tema do julgamento divino volta a ser discutido nos livros de Habacuque e Sofonias. Contamos com sua visita!

Abraço e bons estudos!


sábado, 17 de novembro de 2012

Miquéias: a importância da obediência (Série Profetas Menores na Escola Dominical)

Miquéias é um dos exemplos mais nítidos do ministério profético no Antigo Testamento. Seu livro apresenta mensagens duras de repreensão entrelaçadas à lampejos de esperança. 
Apesar de originário do reino do sul, as profecias de Miquéias apontam também para o reino do Norte, Israel. Aliás, esta é a tônica da mensagem em todo o livro: o pecado estava ao ponto de levar Israel à destruição pelas mão dos assírios, e não muito tempo depois, Judá também cairia, se não se convertesse de fato ao Senhor. Há quem acredite que Miqueias começou a pregar antes da queda de Samaria, e que  acompanhou todo o processo de destruição da nação vizinha. Por isso, podia falar com propriedade à Judá, usando como exemplo o reino de Israel, que já estava cativo. 
O profeta Miqueias apresenta paralelos interessantes com o profeta Amós: ambos identificam-se como pessoas do povo, que assistiam diariamente a opressão sofrida pelos mais pobres. Enquanto Amós profetizou no reino do Norte, Miqueias apresenta problemas muito semelhantes em Judá: a injustiça social de seu povo era "aprovada" por "profetas profissionais", normalmente pagos pelos mais ricos para justificarem os abusos cometidos contra os indefesos. Assim, o livro de Miqueias nos apresenta um sistema religioso que funcionava muito bem, mas que servia para encobrir as práticas abomináveis da injustiça, da corrupção e da soberba. Durante seu ministério Miqueias lançou veementemente a sua voz contra as práticas religiosas que encobriam corações perversos e inundados pelo pecado. Desta forma, podemos tirar um valiosa lição deste livro: é possível ser um excelente religioso, cumprindo todas as práticas relativas ao culto e ao trabalho ministerial sem no entanto ter um caráter realmente condizente com o cerne do Evangelho. Tal temática aparece constantemente nos embates de Jesus com os fariseus, bem como nas preocupações do apóstolo Paulo. 
Miqueias, além de pregar na mesma época de Oseias e Amós, também foi contemporâneo de Isaías. Enquanto Miqueias profetizava entre o povo, Isaías (que aliás era primo do rei Uzias) profetizava no palácio. No entanto ambos apresentam uma incisiva mensagem contra o pecado de Judá. Os capítulos 2 e 3 de Miqueias, por exemplo, mostram a decepção de Deus com Judá de maneira impetuosa, ao mesmo tempo em que são capítulos atualíssimos, já que falam de corrupção e opressão política e econômica, temas ainda tão presentes em nosso tempo! 
Apesar da dureza de palavras de Miqueias, suas profecias entrelaçam-se à misericórdia divina. Aliás, este é um aspecto sempre presente na relação entre Deus e seu povo: sempre que o arrependimento se manifestar, a misericórdia do Senhor se apresentará e suas promessas ganharão destaque. Ao que tudo indica, parte das palavras de Miqueias e dos profetas de sua ápoca foram ouvidas, pois Judá foi preservado da destruição por mais algumas décadas. No entanto, quando deixaram de obedecer ao Senhor, abraçando novamente a um sistema religioso vazio, o pecado os levou ao cativeiro. Deus nos guarde de nos esquecermos dele e usarmos nossas práticas religiosas para nos escondermos de nossa própria consciência! 


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Procuradoria quer excluir expressão 'Deus seja louvado' das cédulas de real


Você concorda com a medida? Acompanhe a matéria a seguir e deixe seu comentário! 


Notícia publicada originalmente no Portal Folha de São Paulo
O Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública nesta segunda-feira (12) em que pede que as novas cédulas de real passem a ser impressas sem a expressão "Deus seja louvado".
O pedido, feito pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, diz que a existência da frase nas notas fere os princípios de laicidade do Estado e de liberdade religiosa.
"A manutenção da expressão 'Deus seja louvado' [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro", afirma trecho da ação, assinada pelo procurador Jefferson Aparecido Dias.
"Imaginemos a cédula de real com as seguintes expressões: 'Alá seja louvado', 'Buda seja louvado', 'Salve Oxossi', 'Salve Lord Ganesha', 'Deus não existe'. Com certeza haveria agitação na sociedade brasileira em razão do constrangimento sofrido pelos cidadãos crentes em Deus", segue o texto.
O Banco Central, consultado pela Procuradoria, emitiu um parecer jurídico em que diz que, como na cédula não há referência a uma "religião específica", é "perfeitamente lícito" que a nota mantenha a expressão.
"O Estado, por não ser ateu, anticlerical ou antirreligioso, pode legitimamente fazer referência à existência de uma entidade superior, de uma divindade, desde que, assim agindo, não faça alusão a uma específica doutrina religiosa", diz o parecer do BC.
O texto do BC cita ainda posicionamento do especialista Ives Gandra Martins, em que afirma que a " Constituição foi promulgada, como consta do seu preâmbulo, 'sob a proteção de Deus', o que significa que o Estado que se organiza e estrutura mediante sua lei maior reconhece um fundamento metafísico anterior e superior ao direito positivo".
Segundo o texto do BC, a expressão apareceu pela primeira vez na moeda nacional em 1986, nas cédulas de cruzados, por orientação do então presidente, José Sarney, e foi mantida nas notas de real por determinação de Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda.
O responsável pelas características das cédulas é o Conselho Monetário Nacional, que tem entre seus membros o presidente do BC.
A Procuradoria pede que a União comece a imprimir as cédulas sem a frase em até 120 dias. Pede ainda que haja uma multa simbólica de R$ 1 por dia de descumprimento.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Jonas: a misericórdia divina (Série Profetas Menores na Escola Dominical)


Os estudiosos do Antigo Testamento se dividem quanto ao livro de Jonas: alguns afirmam que o livro na realidade é uma espécie de parábola onde o principal objetivo é ensinar uma lição sobre a misericórdia divina à Israel. Outros acreditam que a história de Jonas, seu incidente com o grande peixe e sua pregação na cidade de Nínive realmente aconteceram, argumento reforçado pelo fato do próprio Jesus referir-se ao evento de modo enfático.
 De qualquer forma, podemos dizer com certeza que Jonas é o mais conhecido entre os profetas menores. Quem nunca ouviu uma pregação ou ao menos um comentário sobre o desobediente profeta que mandado por Deus para Nínive, toma um navio para Társis, e após uma grande confusão causada por uma tempestade é lançado ao mar, passa três dias na barriga de um grande peixe, se arrepende, e por fim vai à Nínive após ser vomitado na praia? O relato é curioso e ao mesmo tempo surpreendente.
Também surpreendem as características diferenciadas do profeta Jonas. Ele é o único dos profetas menores com os quais não nos identificamos positivamente na leitura, a não ser quando ele ora ao Senhor no ventre do peixe. Ao lermos, ficamos "torcendo" para que Jonas consiga entender os propósitos de Deus para com a cidade de Nínive e mude sua opinião com relação ao arrependimento da cidade.
Jonas não aparece no relato bíblico apenas no livro que leva seu nome. Em II Rs 14, ele profetiza sobre a expansão de Israel durante o reinado de Jeroboão II (o mesmo contra quem Amós profetizou). Ao que tudo indica, Jonas não conseguia entender como o mesmo Deus que lhe usara para profetizar a expansão das fronteiras de Israel poderia estar preocupado com uma nação gentílica e adoradora de outros deuses.
Há duas partes do livro de Jonas que sempre me fascinaram: a primeira é a belíssima oração do capítulo 2, onde fica em destaque a disposição de um Deus que atende alguém que, por consequência de seus próprios atos, chegou às maiores profundezas da solidão e do desespero. Jonas ora de um lugar inimaginável e totalmente impróprio para se fazer qualquer tipo de coisa, inclusive estar vivo! A oração gera esperança no leitor pois aponta para o Deus que ouve o grito daquele que estiver nas condições mais impróprias e indignas de sobrevivência.
A personalidade de Jonas e a forma como ela vem à tona no capítulo 4 também me fascinam: após ser alvo da graça imerecida de Deus de um forma inquestionável, o arrependido Jonas vai à cidade de Nínive e após ouvir novamente a voz de Deus, prega o que lhe foi ordenado: "Em quarenta dias Nínive será destruída!"
No entanto, o inesperado acontece (note como o livro está recheado de episódios surpreendentes e inesperados!): o impacto da mensagem de Jonas gerou uma comoção geral, que se transformou inclusive em uma "política pública de arrependimento", já que o próprio rei decretou a obrigatoriedade de jejuns e orações, para que a ira de Deus não se consumasse sobre a cidade.
Assim, entramos no capítulo 4, que considero fantástico: Jonas está extremamente bravo porque Deus decide não destruir a cidade e reclama pessoalmente com ele. A seguir, senta-se ao oriente da cidade para assistir "de camarote" o que vai acontecer com ela. Surpreendentemente, Deus faz surgir uma aboboreira sobre a cabana que Jonas improvisara para lhe proteger do sol. A atitude de Deus alivia a raiva de Jonas e o transporta ao sentimento de alegria, pois ao menos seu conforto estaria garantido enquanto ele esperava a decisão definitiva de Deus para a cidade.
No entanto, novamente a surpresa aparece no livro, com uma sucessão de eventos desagradáveis para o profeta: a  aboboreira secou-se de um dia para outro por conta de um verme, um vento oriental atingiu a cabana de Jonas e a força dos raios solares fez com que o profeta desmaiasse. Ao acordar, o profeta que até dois capítulos atrás desfrutava humildemente da profunda compaixão de Deus após orar na barriga de um peixe, agora está no topo de sua indignação e deseja a morte!
T.J. Carlisle transforma o episódio em um verso:

"E foi Jonas batendo os pés
para o seu posto à sombra
e esperou que Deus
mudasse de ideia,
pensasse como ele

E continua Deus ainda esperando
que uma hoste de Jonas
mude de ideia
ame como ele"(*)

A indignação de Jonas me faz lembrar de outros episódios bíblicos: a indignação do filho mais velho quando seu irmão pródigo é recebido com festa por seu pai (Lc 15) , a indignação  dos fariseus ao ver Jesus conversando e jantando com publicanos e pecadores (Mc 2) , a inicial incompreensão de Pedro quando Deus lhe manda pregar o Evangelho a um não judeu (At 10). Enfim, parece que o sentimento de Jonas não era exclusivo a ele...
Será que vemos este sentimento vivo em nós mesmos, quando achamos que 'Deus é só nosso' e que há pessoas que não podem e não devem participar de seu amor? De certa forma, apesar de criticarmos as atitudes de Jonas,  nos identificamos com ele quando não compreendemos como Deus pode ser tão misericordioso com pessoas das quais não consideramos dignas. A lição do livro de Jonas é clara: se Nínive não merecia ser salva, por que Jonas merecia ser salvo do ventre do peixe? Para ambos os casos a resposta é única: a misericórdia divina transcende nossa noção de justiça e de merecimento.
É muito interessante a forma como o livro termina. Diante da indignação extrema do profeta, Deus lhe faz uma pergunta: "Você tem pena dessa planta, embora não a tenha podado nem a tenha feito crescer. Ela nasceu numa noite e numa noite morreu.Contudo, Nínive tem mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem nem distinguir a mão direita da esquerda, além de muitos rebanhos. Não deveria eu ter pena dessa grande cidade?" (Jn 4.11-12). Não sabemos o que aconteceu depois. O livro termina aí! Como Jonas reagiu? Ele acabou concordando com o propósito de Deus? Se arrependeu de estar tão furioso? Entendeu que a mesma misericórdia que Deus ofereceu para ele ao tirá-lo de dentro do ventre do peixe era a mesma que Deus queria oferecer aos ninivitas?  Não sabemos. Propositalmente a Bíblia deixa que nós pensemos na reação de Jonas e indiretamente lança outra questão: como nós agiríamos no lugar dele?


(*) T.J. Carlisle, You!Jonah! citado por William LaSor em Introdução ao Antigo Testamento (Ed. Vida Nova) 

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Comissão da Verdade vai discutir atuação de igrejas durante regime militar


Com informações da Agência Brasil

Yara Aquino
Repórter da Agência Brasil
Brasília - A Comissão Nacional da Verdade criou um grupo de trabalho para analisar o papel das igrejas Católica e da evangélica durante o regime militar (1964-1985). A primeira reunião será na quinta-feira (8), em São Paulo. O grupo pretende aprofundar as discussões sobre a atuação que as igrejas e os religiosos tiveram tanto na resistência ao regime militar quanto na colaboração com a repressão.
O trabalho do grupo será todo desenvolvido com a assessoria de pesquisadores autônomos e da sociedade civil especializados em ciências da religião, história e sociologia. No primeiro encontro, eles apresentarão os temas de pesquisa e farão o planejamento da agenda de trabalho para os próximos meses. A coordenação dos trabalhos é do professor Paulo Sérgio Pinheiro, membro da comissão.

Na próxima semana, entre os dias 16 e 18, a Comissão Nacional da Verdade terá atividades no interior do Pará para averiguar questões referentes à Guerrilha do Araguaia, ocorrida no período de 1960 a 1970. Um dos temas será a análise sobre a atuação na guerrilha da etnia Suruí, que atualmente vive na Terra Indígena Sororó. Há controvérsias sobre o assunto apesar de existir informações sobre a exploração de indígenas desse grupo pelos militares.

sábado, 3 de novembro de 2012

Novo número da Revista Brasileira de História das Religiões: texto sobre a Assembleia de Deus



O Grupo de Trabalho "História das Religiões e das Religiosidades" da "Associação Nacional de História" (ANPUH) acaba de lançar o novo número da Revista Brasileira das Religiões. A publicação é referente ao 2º quadrimestre de 2012.
A revista, que está em seu 13º número, reúne artigos científicos de pesquisadores de diferentes instituições sobre as mais variadas manifestações religiosas. A publicação é eletrônica e os arquivos estão disponíveis gratuitamente no site da Revista (clique aqui)
Neste novo número (disponível aqui)  há um artigo que escrevi sobre a Igreja Assembléia de Deus no Brasil, onde abordo a utilização das biografias dos seus fundadores sob a perspectiva da memória coletiva.
Há ainda outros onze artigos que estudam temas diversos, como as religiões escandinavas, a Renovação Carismática Católica e a Igreja Bola de Neve. Para os interessados no estudo acadêmico das religiões vale a pena conhecer!

Abraço a todos e todas e boa leitura!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Obadias: o princípio da retribuição (Série Profetas Menores na Escola Dominical)

O livro de Obadias tem características singulares, a começar pelo seu tamanho: é o único livro do Antigo Testamento que tem apenas um capítulo. Além disso, diferente da maioria dos outros profetas menores, o foco de sua mensagem não é pecado de Israel ou de Judá, mas sim da vizinha Edom.
Apesar das poucas informações sobre a vida pessoal e o período em que viveu o profeta Obadias (aliás, Obadias era um nome comum em Israel e Judá. Basta lembrar que no relato sobre o profeta Elias em I Reis 18  há um copeiro de Acabe cujo nome também era Obadias), a maior parte dos comentaristas do Velho Testamento acredita que Obadias profetizou em algum momento após a queda de Judá, quando Jerusalém foi tomada pelos exércitos babilônicos e seu povo levado para o cativeiro. Na ocasião, Edom, nação vizinha de Judá, convicta de sua superioridade e invencibilidade, alegrou-se ao ver a desgraça do povo de Deus.
Os edomitas eram descendentes de Esaú, irmão de Jacó, pai da nação israelita. Assim, Obadias se indigna ao ver o escárnio dos edomitas em relação a um "povo-irmão".
A mensagem do livro é bastante clara: a soberba dos edomitas inevitavelmente os levaria à destruição. Percebemos nesta profecia duas coisas importantíssimas: a preocupação de Deus com as atitudes de uma nação estrangeira, gentílica, aponta para seu propósito redentor em prol de toda a humanidade.  Apesar de ser o Deus de Israel, o Altíssimo está atento ao que acontece em outras nações, pois seu propósito de salvação  envolve todos os povos (na lição da próxima semana, sobre o livro de Jonas, este aspecto será ainda mais destacado).
Um segundo aspecto diz respeito à perniciosidade do orgulho: Edom sentia-se seguro em sua habitação, em montes de região rochosa, local privilegiado para defesa em caso de guerra (vers. 3). No entanto, tais vantagens geográficas não seriam suficientes para preservá-lo do dia da destruição. Tanto isto é verdade, que as montanhas fortificadas de Edom hoje estão praticamente desertas. Isto vale uma reflexão: que valor existe no fato de depositar nossa confiança em nossas próprias forças e menosprezar os que estão em condições desprivilegiadas?
Assim como aconteceu com Judá, Edom arcaria com as consequências de seus atos. No entanto, acredito que o livro de Obadias aponta para uma reflexão, cuja resposta deve ser formulada pelo leitor: nos últimos versículos há uma promessa de que no futuro o povo de Israel restaurado governaria sobre outras nações a partir do Dia do Senhor. A pergunta que fica é: "como Israel deveria retribuir às ofensas de Edom, quando estivesse 'por cima' "?
A resposta que a Bíblia fornece a esta pergunta vai na contramão do senso comum que nos aconselha a celebrar nossa "virada" humilhando quem nos humilhou. Infelizmente, percebo que tal lógica aparece inclusive nas letras de algumas canções evangélicas que se dedicam a nos apontar o caminho para a "exibir nossa vitória" trazendo a tona uma série de sentimentos que beiram aos princípios da vingança. No entanto, o propósito de Deus em exaltar Israel não é para que a nação humilhe seus antigos adversários, mas que exerça misericórdia para com as tais, apontando para o caminho da graça divina. Como já disse, as profecias de Jonas, que estudaremos na próxima semana, também apontam neste sentido.